O Pacto da Justiça e o impacto nas vítimas de crime
Ao apelo do Presidente da República, os agentes do sistema de justiça responderam afirmativamente e, trabalhando em conjunto, alcançaram uma plataforma de entendimento comum sobre os desafios e problemas da Justiça que a todos e todas afetam na sua vida quotidiana e que influenciam uma expressão fundamental do Estado de direito democrático.
O chamado “Pacto de Justiça”, que as entidades signatárias (duas ordens profissionais e três sindicatos) preferiram designar de “Acordos para o Sistema de Justiça”, é de aplaudir. É de louvar este entendimento, que permite ter esperança na mudança de paradigma por parte dos chamados “agentes do sistema de justiça”, traduzida na construção de consensos tendo em vista a promoção das melhorias e reformas inadiáveis do sistema judicial português, através de uma abordagem realista e colaborativa de avanços através de pequenos passos. “O essencial é feito de pequenos passos”, realçou o Presidente da República, passos dados por parte daqueles que são os principais atores do sistema e não apenas, como sucedeu num passado recente, em resultado de entendimentos circunstanciais entre os maiores partidos políticos.
A atual proposta de Pacto de Justiça é, como os seus subscritores assumem, o entendimento possível entre as várias instituições envolvidas. A proposta de pacto é — como também é assumido — limitada e comporta “conclusões de densidade variável”. Está demasiado focada na justiça patrimonial e não tanto na justiça das pessoas. Mas que não haja dúvidas: representa uma oportunidade para a reflexão e um ponto de partida para a construção de caminhos e consensos mais alargados e participados. Assim, e na continuação de uma abordagem saudavelmente democrática e crescentemente participativa, o próximo passo é envolver outras instituições, com saber acumulado e larga experiência, designadamente da sociedade civil, que também contribuam pelo seu trabalho e missão para o sistema judicial e para o exercício dos direitos de cidadania nas suas várias vertentes — civil, família e menores, penal e outras — e que, por isso, são igualmente “agentes do sistema de justiça”.
Num futuro pacto nacional para a Justiça, a posição da vítima de crime, de qualquer crime, deverá ser equacionada, consagrada e reforçada, não podendo esta continuar a ser uma participante secundária e meramente utilitária no sistema de justiça. O seu estatuto legal deve ser clarificado e melhorado e os seus direitos deverão ser assegurados, desde o mais básico — o direito de acesso a serviços de apoio independentes e de qualidade — até àquele que permite o conhecimento e o exercício de muitos outros direitos: o direito à informação. Urge ao Estado Português cumprir o quadro normativo da União Europeia nesta matéria. Urge respeitar os compromissos assumidos no Programa do XXI Governo Constitucional.
Pois só assim, com participação ampla e alargada, se fará Justiça. Justiça para todos e para todas.
Richard Zimler doa Prémio à APAV
O escritor Richard Zimler, vencedor do Prémio Fundação Bissaya Barreto Literatura para a Infância 2018, com a obra “O cão que comia a chuva”, doou o valor do seu Prémio à APAV.
Para além das suas fortes motivações pessoais, a doação deste Prémio resulta da temática em que assenta a sua obra: o bullying e as consequências desta forma de violência sobre as crianças e a sua família.
O valor do donativo será aplicado, tal como solicitado pelo próprio, na aquisição de livros para as mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, acolhidas nas Casas de Abrigo da APAV.
A APAV destaca a explicação para este pedido citando uma frase do seu discurso na Cerimónia de Entrega do Prémio:
“Pedi para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima usar o meu donativo para comprar livros para as crianças e as mães que encontram um lar seguro nos seus abrigos. A imagem de uma mãe a ler em voz alta uma bonita história aos seus filhos dá-me um sentimento de realização. Sinto-me grato por ter a possibilidade de reforçar, através de um donativo, uma tal ligação afectiva.”
Gabinete de Apoio à Vítima de Braga celebra 25 anos e renova instalações
25 anos. Um quarto de século. No momento em que o Gabinete de Apoio à Vítima de Braga nasceu, em janeiro de 1993, estava dado o primeiro passo para se consolidar como voz ativa junto da comunidade bracarense, quebrando o silêncio e possibilitando que cada vítima pudesse ver a sua voz ouvida.
O Gabinete de Apoio à Vítima de Braga foi o terceiro gabinete da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima a ser inaugurado - depois de Lisboa e Porto - e surgiu da necessidade de prestar atenção e apoio especializado a quem é vítima de crime, contribuindo para uma sociedade mais justa e equilibrada, promovendo, em simultâneo, uma comunidade mais formada, informada e sensibilizada.
O trabalho de 25 anos recorda um trajeto seguramente difícil, que apenas pôde ser trilhado graças ao esforço, dedicação e empenho de todos os que nele participaram - Voluntários e Colaboradores – e que hoje se assinala na forma de um projeto qualificado e inovador em toda a região de Braga. No seu primeiro ano de existência, o GAV Braga apoiou 55 vítimas. Desde então, o número nunca mais parou de aumentar, tendo inclusive chegado a atender mais de 460 pessoas por ano. De 2000 a 2017, 5625 vítimas foram assistidas pelo Gabinete de Apoio à Vítima de Braga, sendo que 335 destas são relativas ao ano passado.
Cientes do incontornável reconhecimento público conquistado, mas despertos para a necessidade de continuar a dar resposta às necessidades e desafios de uma sociedade em constante transformação e mudança, detemo-nos neste 25.º aniversário para olhar o percurso que para trás deixamos, preparando um futuro que se espera promissor.
Volvidos 25 anos, o GAV Braga comemorará o seu aniversário através várias ações promovidas ao longo do ano de 2018. O dia 12 de abril ficou marcado pela cerimónia de renovação das instalações do Gabinete de Apoio à Vítima de Braga, que contou com a presença de diversas entidades e instituições.
Lançamento do livro "Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual"
Na próxima sexta-feira, dia 13 de Abril, realiza-se o lançamento do livro "Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual" da autoria de Isabel Ventura, publicado pelas Edições Tinta da China.
A sessão de apresentação terá lugar na Livraria Ferin (Lisboa) e vai contar com a presença de Clara Sottomayor (juíza do Tribunal Constitucional), Rosa Monteiro (secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade) e Carmen Rasquete (Secretária Geral da APAV).
Este trabalho foi distinguido com o Prémio APAV para a Investigação, em dezembro de 2016.
Mais informações:
www.tintadachina.pt
PÚBLICO: APAV teme que vítimas de crimes tenham de esperar ainda mais por compensação
"Governo propõe que, além de tratar destes processos, Comissão de Protecção de Vítimas de Crimes avalie e financie projectos de protecção das vítimas.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) arrasou a proposta do Governo que redefine a missão da Comissão de Protecção de Vítimas de Crimes (CPVC), um órgão administrativo independente que funciona junto do Ministério da Justiça. Teme que o alargamento de funções venha “deteriorar ainda mais a capacidade de resposta” e “prolongar o tempo de espera”.
De acordo com a proposta aprovada em Conselho de Ministros no dia 22 de Fevereiro, as vítimas especialmente vulneráveis têm direito a receber uma compensação financeira do Estado, caso a indemnização não possa ser suportada pelo autor do crime. As vítimas que, por causa de um crime, se encontrem em situação de insuficiência económica podem, antes de concluída a instrução do processo, beneficiar de uma compensação mensal que não pode ultrapassar o salário mínimo nacional. Além de tratar desses processos, a CPVC deverá prestar informação a vítimas de crime em geral, através da Internet, e financiar entidades privadas que promovam os direitos e a protecção das vítimas.
O parecer da APAV começa por criticar este alargamento de funções. Instruir e decidir processos de indemnização, sublinha, “não tem qualquer relação” com avaliar projectos e actividades de promoção dos direitos e da protecção de vítimas de crime. A comissão é composta por operadores judiciais. A nova tarefa implicará fazer avaliações multidisciplinares e exigirá “uma visão mais abrangente e sobretudo um leque mais diversificado de competências e saberes”.
“Não se vislumbra na proposta ora em apreciação qualquer iniciativa no sentido de dotar a comissão de uma equipa mais vasta, quer do ponto de vista técnico, quer administrativo”, menciona o documento. Continuará a ser composta por um presidente e um vice-presidente indicados pelo membro do Governo que tutela a Justiça, um magistrado apontado pelo Conselho Superior da Magistratura, outro pelo Ministério Público e um advogado pela respectiva Ordem. A Secretaria-Geral do Ministério da Justiça continuará a garantir o apoio técnico, administrativo e logístico.
“Teme-se que este acréscimo de trabalho, sem o correspondente crescimento de uma estrutura que já actualmente se revela deficitária, venha deteriorar ainda mais a capacidade de resposta e a qualidade da mesma e prolongar o tempo de espera dos cidadãos”, salienta a APAV.
Neste momento, o regime só abrange vítimas de crime violento e violência doméstica. Os pedidos vão entrando (157 em 2012, 257 em 2013, 248 em 2014, 331 em 2015, 311 em 2016, 293 em 2017) e aguardam anos, apesar de a lei prever que a instrução esteja concluída no prazo de um mês. É que a comissão esteve parada e tem estado a recuperar atraso. Segundo o presidente daquele órgão, Carlos Anjos, as vítimas de violência doméstica já recebem resposta dentro de poucos meses, mas as de crime violento não – em Fevereiro ainda estavam a decidir os últimos pedidos de 2015.
Para já, a comissão funciona com verba proveniente do Orçamento do Estado. Como essa verba não chega, todos os anos tem havido transferências do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça. A lei prevê ainda o recurso a taxas e contribuições, bem como doações, heranças e legados.
Abre-se agora a porta às “quantias fixadas a título de injunção pecuniária no âmbito da suspensão provisória do processo ou de contribuição monetária no âmbito dos deveres impostos na suspensão da execução da pena de prisão”. A proposta, que está na primeira comissão da Assembleia da República e deverá ir a plenário no dia 6 de Abril, diz mesmo que o Ministério Público e os tribunais “devem eleger tendencialmente a Comissão como destinatária das injunções pecuniárias”.
“Esta quase monopolização poderá prejudicar uma fonte de financiamento de diversas entidades da sociedade civil, na medida em que a canalização de algumas injunções para estas organizações pode revelar-se – e tem sido – um incentivo ao trabalho por elas desenvolvido em prol das vítimas de crime”, critica a APAV, que é uma das principais beneficiárias do actual regime.
A Ordem dos Advogados já alertara o Governo para isto. Aquela prioridade “pode desvirtuar as características da injunção imposta e, sem dúvida, contribuir para retirar a outras instituições de enorme relevo social uma fonte de financiamento que pode ser absolutamente fundamental à persecução dos seus desideratos”, avisou o bastonário Guilherme Figueiredo, num parecer emitido em Maio de 2017. “É função social do Estado assegurar a subsistência condigna desta Comissão e não, como pretendido, alavancar o seu funcionamento nas receitas que resultam das imposições injuntivas.”
Não é tudo. A comissão é que irá “definir as orientações e os critérios gerais” quer para a concessão de compensações às vítimas de crime, quer para a atribuição de apoio financeiro a entidades privadas que apresentem candidaturas a financiamento de projectos. E isso também preocupa a APAV.
Parece-lhe que os actuais critérios, “sendo razoavelmente objectivos, garantem melhor a certeza e a segurança jurídicos”. Mesmo assim, têm dado “azo a interpretações que nenhuma correspondência encontram no texto da lei”. Como? “A jurisprudência recente da comissão exclui automaticamente o direito a indemnização de vítimas que ainda residam com o/a agressor(a) (quando tal pode acontecer, por exemplo, por razões de dependência económica) ou tenham um(a) novo(a) companheiro(a) (o que não significa obrigatoriamente que a situação de carência económica já não se verifique).”
A Assembleia da República obterá outros pareceres sobre a proposta. Já foram pedidos ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público, à Ordem dos Advogados, à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens e ao Alto Comissariado para as Migrações."
Fonte: PÚBLICO