A mediação vítima-infractor e os direitos das vítimas

 

O APOIO À VÍTIMA E A MEDIAÇÃO

Se quisermos, numa frase, descrever a postura dominante entre os profissionais e organizações de apoio à vítima relativamente à mediação vítima-infractor, podemos dizer o seguinte: esta prática tem vindo gradualmente a merecer aceitação, se bem que com algumas reservas e colocada no seu devido lugar.

As reservas decorrem de todos os aspectos acabados de enunciar, porquanto estes contendem com salvaguardas fundamentais das vítimas no âmbito da mediação: questões como o consentimento livre e informado, a preparação das vítimas ou a adequada formação dos mediadores têm que estar devidamente garantidos sob pena de ocorrência de fenómenos de vitimação secundária.

Quanto ao posicionamento da mediação, os técnicos e organizações de apoio à vítima chamam a atenção para o facto de, na prática, este mecanismo estar disponível apenas para uma escassa minoria de vítimas: sabendo que uma percentagem significativa de crimes não é reportada às autoridades; sabendo que, de entre os crimes que são reportados, apenas nalguns se apura o seu autor; sabendo que, de entre estes, só nalguns se pode recorrer à mediação, em virtude dos critérios, legais ou convencionais, em vigor; e sabendo, por fim, que de entre estes, apenas nalguns os infractores acedem a participar, fica claro que a mediação acaba por ter um campo de aplicação bastante limitado.

 

Por outro lado, os timings não coincidem, isto é, o momento em que a vítima começa a necessitar de apoio não é sincronizável, por ser obviamente anterior (imediatamente após o crime), com o momento em que a mediação é possível e adequada.

Estas razões demonstram a impossibilidade de a mediação responder, de forma exclusiva, a todas as necessidades das vítimas, pois estas vão muito para além daquilo que pode resultar de um processo de comunicação com o infractor. A mediação vítima-infractor não é apoio especializado à vítima de crime.

Isto não significa contudo um juízo de inutilidade da mediação, pois as suas virtudes relativamente às vítimas são por demais reconhecidas. Deve assim ser perspectivada como um dos instrumentos integrantes de um plano alargado de apoio e assistência que, em conjugação com outros, pode contribuir decisivamente para a ultrapassagem por aquelas dos efeitos resultantes do crime sofrido.

 

O Victim Support Europe, entidade que congrega organizações nacionais de apoio à vítima existentes na Europa, aprovou em Maio de 2004 a Declaração relativa ao Estatuto da Vítima no Processo de Mediação, na qual, aderindo à justiça restaurativa (enquanto meio de promoção e protecção dos direitos e interesses das vítimas) e reconhecendo o impacto e os méritos da mediação, levanta contudo algumas questões ainda mal ou não totalmente resolvidas e que cumpre acautelar.

 

Propõe esta Declaração alguns princípios, relativos às vítimas, que devem nortear a mediação:

» A mediação requer o envolvimento da vítima, sendo como tal essencial que os interesses desta sejam plenamente considerados – e o interesse das vítimas tem que começar a ser considerado logo na selecção, quer destas, quer dos infractores;

» O recurso à mediação depende do consentimento livre e informado das partes, devendo reconhecer-se a estas o direito de desistirem a todo o tempo;

» A mediação vítima-infractor difere dos processos de mediação noutras áreas – o processo de mediação vítima-infractor deve incluir a assumpção por este da responsabilidade pelo seu acto e o reconhecimento das consequências nefastas do crime para a vítima;

» É imprescindível que o mediador e outros intervenientes no processo de mediação tenham recebido formação adequada relativamente às problemáticas específicas das vítimas de crimes.

 

São igualmente preconizados alguns direitos fundamentais das vítimas de crimes no processo de mediação:

» Reconhecimento do seu estatuto enquanto vítimas e protecção da sua posição;

» Informação cabal sobre o processo e possíveis resultados bem como informação acerca dos procedimentos de supervisão da implementação de eventuais acordos;

» Informação sobre onde obter apoio e aconselhamento;

» Disponibilização do tempo necessário para a tomada de decisão e obtenção de aconselhamento (varia consoante o crime e as características da vítima);

» Igualdade de acesso a assistência jurídica antes, durante e depois do processo, assistência que deve estar prevista no âmbito do apoio judiciário;

» Possibilidade de escolha entre mediação directa e indirecta.